Cris M. Zanferrari

Outro dia, a propósito de títulos, acabei falando de coisas que confortam. Eis que, aqui no Sul, estamos a pleno inverno, e nada conforta mais do que um caldo quente, uma sopa de capeletti, um pinhão na chapa. Nada conforta mais do que comida.

Acontece que comida não é só alimento. É artefato que produz memórias afetivas. Das mais variadas e significativas. Daquelas que evocam toda uma aura de lembranças e saudades. Tantas que _reproduzido o prato, ainda que com o mesmo tempero ou iguarias preparado_ continuaremos a recordá-lo como se àquele que se está a degustar alguma coisa faltasse. E de fato falta. Falta-lhe o tempero das circunstâncias. Que jamais serão as mesmas, porque tudo o que na vida se passa, passa.

Ainda assim, são (re)confortantes esses prazeres culinários. E falar de comida é quase como já por a mesa e convidar a sentar. À mesa, cozinhamos já as próximas memórias. Sempre recheadas de afeto e familiaridades.

Conta Rubem Braga, em uma crônica escrita durante a guerra, que um dos assuntos mais comoventes entre os soldados era o assunto de comidas. “Um começa a falar do que costuma comer na casa dele em Alagoas; outro fala de seus pratos familiares em Minas. E cada um descreve um prato; quando dois homens concordam no mesmo prato e cada um acrescenta um detalhe, eles começam a falar com uma grande animação; sentem-se como que irmãos…”

Conta ainda o autor que falar de comida interessava-os mais do que falar de mulheres. “A grande irmandade é feita em torno de pratos de saudade _ pratos que fumegam na imaginação, quentes e saborosos, com seu gosto de infância e de domingo.” Ao final desse texto, deliciosamente intitulado “Comidas”, o velho Braga faz um apelo: “Oh! Mães de família do Brasil: quando chegar aí a notícia da paz, e arrumardes a casa para esperar aquele que vai voltar, providenciai para que haja sobre a mesa o prato familiar mais querido, e ele o comerá, eu vos digo, ele comerá alegria, ele comerá felicidade, infância, ternura boa.”

Sim, comida conforta, fabrica lembranças, e sempre rende uma boa conversa. Mas, em se falar daquilo que conforta, não hesito em dizer que ler Rubem Braga também é como matar uma fome.

Publicado por:Cris M. Zanferrari

Mestre em Letras, especialista em Filosofia, e especialista em Supervisão Escolar. É também especialista em Biblioterapia e Mediação da Leitura Literária, titulação obtida em 2022, pela Unochapecó. Atuou como docente na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Carazinho nos cursos de Pedagogia e de Design. Atualmente dedica-se a fomentar e mediar Clubes de Leitura e outras atividades literárias, além de ser gestora da marca Mania de Citação.

6 comentários sobre “Ainda daquilo que conforta

  1. Ahhh como eu gosto deste conforto que a comida traz!
    E vem junto e de carona, a tal da delicadeza, o cuidado no fazer, os encontros para comer, o afeto que os “hummmmmm” promovem …
    Adorei Marina!
    E faço uso de momentos cujo centro é a comida, só para fazer bonitezas à mesa, juntas pessoas queridas e ter alegrias mil!
    bjssss

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    1. Mia querida, você falou uma coisa muito linda: “fazer bonitezas à mesa”!! Uma mesa bem posta, com pratos arrumados de forma delicada, com flores, é um cuidado de quem ama a convivência, não é mesmo?
      E você faz isso muito bem!! (Vi no seu blog… aliás, vou já acrescentá-lo na minha blog roll)!
      Bjs

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