Cris M. Zanferrari

Dezembro começa triste para os leitores da Cosac Naify. A editora anunciou que vai fechar as portas. E não, isso não significa que outras portas irão se abrir, como diz o popular ditado. Assim fosse, não seria tão triste.

Quando uma casa editorial encerra suas atividades é como se nos faltasse um autor amado. É como se, de fato, morresse o autor e com ele toda a esperança de alguma nova obra. Lamenta-se não só pelo que não mais haverá, mas pelo que haveria ainda de vir e não virá. Lamenta-se o não haver o futuro.

Mas há que se reconhecer a nobreza por trás da atitude. Charles Cosac, o fundador, retira a Cosac Naify de cena como se retira um ator ao final do espetáculo: sob aclamação. Sob os holofotes do sucesso e da fama.  A editora não está falida, está simplesmente encerrando as atividades para não desvirtuar sua linha editorial, o que possivelmente aconteceria caso se submetesse às exigências do mercado. Sim, porque a Cosac nunca foi para grandes mercados. Suas obras se destacaram pelo apuro literário, por um arrojado e refinado projeto gráfico, por um design artisticamente inovador. A Cosac Naify alçou o objeto-livro à condição de objeto-de-desejo.

Vai-se cedo a Cosac. Vai-se à flor da idade, com menos de duas décadas de existência. Vai-se sob os protestos de fãs, mas também sob o estigma de publicar “títulos de difícil consumo” e de “interesse restrito”. Vai-se de todo jeito, mas vai-se senhora de si, sem baixar a cabeça, sem se render aos apelos da autoajuda e do best-seller. Vai-se como se vai o melhor da vida: deixando uma fina e doída saudade.

Obrigada, Cosac.

Minha estante guarda inúmeros objetos-poéticos teus. À minha mesa de cabeceira dormem e velam obras tuas. Mas é na memória que levo as milhares de palavras colhidas nos livros teus, como estas que venho agora deitar-te ao pé do texto: “A página em branco ou coberta apenas com sinais de pontuação é como uma gaiola sem pássaro. A verdadeira obra aberta é aquela que fecha a porta: ao abri-la, o leitor deixa escapar o pássaro, o poema.”*

Obrigada, Cosac.

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*Citação colhida em: PAZ, Octavio. O arco e a lira. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

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“[…] a beleza é inatingível sem as palavras.”
Publicado por:Cris M. Zanferrari

Mestre em Letras, especialista em Filosofia, e especialista em Supervisão Escolar. Atuou como docente na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Carazinho nos cursos de Pedagogia e de Design. Atualmente dedica-se a fomentar e mediar Clubes de Leitura e outras atividades literárias, além de ser gestora da marca Mania de Citação.

4 comentários sobre “Portas fechadas (ou: Obrigada, Cosac)

  1. Estava, ainda agora pela manhã, entre os afazeres da casa, a pensar nessa tristeza de não ter mais a Cosac.
    Foi com os livros infantis que conheci a editora e logo percebi o diferencial no cuidado com a publicação. Eram livros primorosos! Depois vieram outros, igualmente bem elaborados.
    Quanto de responsabilidade nós leitores temos nesse encerramento?
    Essa é a pergunta que me faço.
    Não é uma lógica simplista que responderá a essa pergunta, algo do tipo, compramos na Amazon e matamos a Cosac.
    Mas acho que há uma porção sim nessa lógica. Na última Bienal aqui em São Paulo, eu na companhia de uma amiga de blog baiana, presenciamos a histeria dos best sellers. Histeria essa que alimenta os livros em seqüência; venda certa.
    Penso que como leitores, precisamos ir além dos livros da moda, dos primeiros nas listas, das pilhas na entrada da livraria. Precisamos aprender o valor de um livro que vai além de ser só páginas encadernadas.
    Claro tem os impostos excessivos e tudo o mais que reclamamos. Mas se conseguirmos aprimorar nossas leituras para além do que o mercado nos quer empurrar e saber valorizar um bom livro, talvez contribuiremos para que outras boas editoras não fechem as portas.
    Obrigada Cosac,
    Obrigada a você por essa bela postagem!

    Curtido por 1 pessoa

    1. Ana, querida!

      É lamentável que em nossa país haja mais farmácias do que livrarias, mas acho que isso é apenas um reflexo da nossa cultura. Não somos, infelizmente, um país que lê! E dos que leem, ainda é uma minoria a que não se deixa levar pelo mainstream, pela cultura do best-seller e da autoajuda. Assim, os que sobram não têm mesmo condições de manter uma editora desse porte e desse nível a pleno vapor. É triste, e é nossa responsabilidade também, com certeza! Mas não há o que possamos fazer nesse sentido.
      Resta cuidar bem de nosso acervo, e lamentar. Profundamente.
      Um abraço entristecido hj!

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    1. Marina querida!
      Obrigada pela solidariedade. Sentimo-nos culturalmente um pouco mais órfãos com o encerramento da Cosac. Mas como dizia Drummond: “as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.”
      Bjo grande

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