Por Cris Zanferrari
Quem alguma vez já atravessou a pé a mais famosa das pontes americanas, a Golden Gate, deve ter se surpreendido com os telefones públicos, ao longo do trajeto, com uma finalidade única: aconselhamento emergencial para momentos de crise, ou, em bom inglês, “Crisis Counseling: there is hope/make the call”. Explica-se: o mais belo postal de San Francisco é também o local preferido por suicidas das mais variadas faixas etárias. Mais de 1.300 pessoas dali saltaram para a morte. Contra tamanho desespero humano, o que pode um telefone, afinal?
Pode muito. Basta imaginar que do outro lado do aparelho haverá alguém capaz de ouvir, com genuína preocupação, os dramas e tormentos de quem faz a ligação. O que não é pouca coisa. Sim, porque escutar é uma arte em franco esquecimento nos dias de hoje. Olhe ao seu redor. A tagarelice ocupa lugar no ônibus, na cafeteria, no escritório, na academia, e, claro, nas redes sociais. Todo mundo tem o que contar o tempo todo. Todo mundo anseia por ser ouvido. Mas quem é que está _ verdadeiramente_ disposto ou disponível para ouvir?
É um desafio escutar alguém sem querer interrompê-lo, sem querer completar uma frase, sem pensar em outras coisas, sem demonstrar impaciência, sem nos distrairmos. Nossa ansiedade antecipa a palavra do outro, e antecipa, assim, a própria vida. Mal nos damos conta de que negócios se desfazem, amizades se desfazem, casamentos se desfazem, vidas se desfazem, porque alguém não escutou.
Escutar é coisa séria. E urgente.
Mikhail Bakhtin, famoso pensador russo, afirmou ser a palavra uma espécie de ponte lançada por alguém em direção a outrem. Ora, se a finalidade de uma ponte é estabelecer uma ligação de um lado a outro, a palavra é o que nos liga, nos aproxima, nos conecta uns aos outros. Certo? Sim, mas a palavra dita só alcançará o outro lado se for ouvida. Do contrário, jamais chegará a ser ponte. Nem elo. Muito menos salvação.
Faça um exercício: experimente ouvir alguém, uma pessoa qualquer. Comece por fixar seu olhar nos olhos dela. Resista heroicamente à tentação de, enquanto ela fala, pensar que outra vez esqueceu de marcar o dentista, lembrar que tem de buscar o cachorro na pet shop, passar na lavanderia, ligar para sua mãe, comprar shampoo. Resista a acelerar o final da conversa, a precipitar a despedida, a desfazer o contato visual. Resista, sobretudo, a sacar do celular para checar novas mensagens ou o que quer que seja. Depois, no uso da mais absoluta sinceridade, responda: quanto tempo durou sua resistência?
Ser um bom ouvinte é um exercício de desprendimento, de entrega, de doação. O bem mais precioso que podemos ofertar a alguém é algo que nos é raro e caro: o nosso próprio tempo. Escutar de verdade, pra valer, é algo que se faz sem pressa, como qualquer outra coisa que se faça com prazer, na qual se ponha, além do tempo, o coração.
Só em 2013, mais de 100 pessoas foram poupadas de fazer parte da triste estatística da Golden Gate. Mais de 100 pessoas foram devolvidas à vida porque alguém as escutou. Prova de que escutar alguém com profunda e sincera atenção e com genuíno interesse é, por si só, uma demonstração de afeto e de resposta. E uma resposta assim, nos dias de hoje, já é quase um abraço.