Cris M. Zanferrari
A aventura de viver comporta muitos horizontes. Foi o que descobri numa recente viagem pelos Alpes europeus. Detalhe: viajei sobre duas rodas, algo até então inimaginável dentro daquilo a que, com certo descaso e algum consenso, chamamos de rotina. Acostumamo-nos com o comum dos dias que, convenhamos, se não nos surpreendem também não nos desacomodam. E a gente tem uma super tendência a se acomodar, ah se tem!
Mas aí, nessa marolinha diária, de repente surge um convite. E porque você está precisando de férias, porque os amigos são estimados, porque sim, por que não?, você aceita embarcar rumo a um roteiro que já sabe, de antemão, ser de belas e bucólicas paisagens. O que você ainda não sabe é que a maior das viagens está para acontecer, na verdade, dentro de si.
Pode parecer exagero, mas foi exatamente o que aconteceu. Passei metade da minha adolescência idolatrando os cabelos ao vento, a sensação de liberdade, o contato com a natureza, a adrenalina e a emoção de pilotar uma motocicleta. Achava motoqueiro um ser verdadeiramente vocacionado para a aventura. Eu era esse ser. Contava, àquela época, com o combustível que nos movimenta quando somos jovens: o destemor, a audácia, os sonhos todos. As aventuras à espera. O horizonte parecendo tão alcançável quanto a mão da mãe quando se tem cinco anos.
E então a gente cresce, casa, descasa, complica a vida e os relacionamentos. Passa a ter medos, a perder o sono e a abandonar o sonho. A gente percebe que o horizonte é uma utopia, porque se refaz a todo instante e na verdade nunca se alcança. A gente se descontenta por pouco, se irrita em demasia, se embrutece no trânsito e nas relações. A gente alimenta rancor, cria ferrugem e adoece ora o corpo, ora a alma. Nosso andar entra em descompasso com aquilo que, bem lá no fundo, somos. Acontece comigo, acontece contigo, acontece a quem está vivo. É da vida que assim seja.
Às vezes alguma coisa qualquer nos desacomoda: um acidente, uma doença, uma perda, uma dor. Às vezes, pequenas alegrias recuperam algo de nossa essência esquecida: um novo hobby, uma nova amizade, casa nova, uma paixão. Coisas que por alguma razão nos fazem mudar, afinal, estar vivo é dinâmico e confirma: a aventura de viver comporta mesmo muitos horizontes. Um deles é a possibilidade de a gente se (re)descobrir fazendo algo novo ou fazendo algo velho em uma nova circunstância: a da maturidade. Sim, os anos vividos finalmente nos servem para isto: para nos colocar onde sempre devíamos ter estado: no tempo presente. É que aos 50, a vida nos parece mais palatável, mais saborosa e, sobretudo, mais urgente. Focados no agora__ porque o futuro, já se sabe, é um horizonte semovente__ vivemos a vida com maior intensidade. Amadurecer, assim como estar sobre uma motocicleta, intensifica a vida.
Enquanto rodava por estradas incrustadas nas montanhas, reverenciava o tempo totalmente ocioso a meu dispor. A visão das vacas no campo, tilintando os sinos ao pescoço, as diferentes gentes nos vilarejos a viver seu dia a dia, os cristalinos riachos serpenteando a encosta, o ar puro, a natureza onipresente, a grandiosidade das rochas, a neve ao longe, ainda mais acima de onde estávamos (e estávamos já bem alto), todo esse cenário, bonito e bucólico, eu vi com olhos gratos. E então, aos poucos foi acontecendo, com uma perfeita naturalidade: a imersão no momento, o abandono dos pensamentos, o foco nas sensações e sentimentos, só a vida fluindo, legítimo mindfullness, plenitude e serenidade, entrega, epifania, encontro. Devolvi-me a mim, afinal.
Obviamente que existem outras formas de se viver intensamente, formas menos ousadas, menos arriscadas e mais prudentes do que subir numa motoca mundo afora. O que é a necessidade de cada um, só a cada qual se manifesta. A verdade, no meu caso, é que continuo achando motoqueiro um ser verdadeiramente vocacionado para a aventura. Deve ser porque, bem no fundo, ventura maior é dar-se conta de que nunca deixamos de ser quem verdadeiramente somos.
Cris , ao ler seu texto, peguei carona , na garupa de sua moto . Que beleza de paisagem está que seus olhos nos emprestam. Obrigada, querida Cris !
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Voemos as tranças, querida amiga!!!
A vida é boa…
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Que lindo Cris.
Se (re) descobrir é o que é. E depois dos 50, mais ainda depois dos 60, digo eu, como a gente precisa disso.
Aventura? E por que não?
Abracos
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Obrigada, querida amiga!
Sempre é tempo… há que manter-se aberta a mente e destemido o espírito!!
Bjs com gratidão pela visita!
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Lindos, Cris!
Agora que já sentiu esse arrepio tu tens que experimentar o banco do piloto. Arrisco dizer que tu conseguiu colocar em palavras a minha sensação de estar libertando não só a minha mas também mais umas cinco gerações de mulheres da minha família devolvendo a cada uma o que é seu quando piloto a minha motoca. We can do it! E mais ainda, … nós merecemos isso! Abraços e bons ventos.
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Amada!!!
Fico encantada com tuas palavras e com essa ressonância que fala tão alto em nós!!
Sim, podemos e merecemos!!! Dia desses voltarei a sentar no banco do piloto… hehehe…
Bjs e obrigada!!
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